Os crimes ambientais na Amazônia passam por um período de forte expansão. Atividades tais como a invasão ilegal de terras públicas para fins de agricultura, pecuária e especulação fundiária, incêndios provocados pela ação humana, a extração ilegal de madeira e o garimpo ilegal, dentre outros, causam significativos danos ambientais, climáticos e socioeconômicos.
Além de contribuírem para o aumento do desmatamento e da emissão de gases estufa, tais crimes provocam a contaminação do solo, da água e do ar e a perda de meios de subsistência, inclusive de povos tradicionais da floresta. Também abrem espaço para outros tipos de ilícitos, tais como o tráfico de armas e de pessoas, o trabalho em situação análoga à escravidão e a exploração sexual. Os crimes ambientais alimentam, ainda, a corrupção e a lavagem de ativos, e contribuem para aumento significativo dos conflitos em torno dos recursos naturais e da violência no campo. Em muitos casos, os atores por trás dessas atividades ilícitas se beneficiam também da omissão ou, até mesmo, da conivência ou do incentivo de autoridades governamentais em relação aos crimes ambientais.
Diante de sua complexidade, o combate e a prevenção de crimes contra o meio ambiente requerem uma abordagem colaborativa, liderada por órgãos governamentais, que priorize o desenvolvimento sustentável e a proteção das florestas. Ao mesmo tempo, a ação coordenada de atores da sociedade civil e do setor privado, com o apoio de organizações internacionais e da comunidade internacional, também se fazem necessárias. Um esforço conjunto permitiria uma melhor compreensão das causas, dinâmicas e impactos dos crimes ambientais, além de favorecer o desenvolvimento, a implementação e o monitoramento de respostas adequadas.
No contexto brasileiro, uma abordagem colaborativa requer, em primeiro lugar, entender as capacidades e lacunas de atores nacionais. Para isso, a CIPÓ formulou o relatório estratégico “Para além da ‘Terra Arrasada’: Caminhos para prevenir e enfrentar os crimes ambientais no Brasil”, que busca identificar os principais gargalos estruturais enfrentados pelos órgãos ambientais, em particular aqueles voltados ao monitoramento e fiscalização ambiental e no cumprimento das leis ambientais. O relatório acompanha a base de dados sobre os principais órgãos envolvidos no enfrentamento aos crimes ambientais no Brasil e também analisa os impactos da atual política para o meio ambiente promovida pelo governo federal brasileiro, marcada pelo desmonte das instituições encarregadas da proteção ambiental e a redução do espaço de participação e atuação da sociedade civil na temática.
O argumento central é o de que a conjunção de três principais fatores produziu uma verdadeira “tempestade perfeita”, incentivando os crimes ambientais e, portanto, o desmatamento na Amazônia e a erosão dos direitos de quem ali habita. São estes: as desigualdades regionais historicamente presentes nas instituições do Estado relevantes ao combate aos crimes ambientais; o desmonte em andamento dos órgãos ambientais federais; e uma visão histórica do desenvolvimento e da integração nacional, reforçada pelo governo do Presidente Jair Bolsonaro, que considera a floresta como um obstáculo para a infraestrutura, e/ou como vasto espaço a ser ocupado e cujos recursos devem explorados a despeito dos impactos socioambientais. Esses fatores impõem graves limites à capacidade brasileira de lidar com os crimes ambientais e fazer avançar uma nova abordagem sustentável em relação à região amazônica.
O relatório estratégico está estruturado em quatro partes. As seções 1 e 2 oferecem um breve pano de fundo sobre os crimes ambientais na Amazônia, além das principais categorias e atribuições de atores estatais dedicados ao seu combate, com foco no monitoramento e fiscalização; denúncia e investigação de crimes ambientais; e responsabilização civil e penal de perpetradores. Na terceira parte, a análise se debruça sobre as lacunas que historicamente caracterizam a atuação do Estado nessa área. Essa seção também examina o impacto do desmonte atual das instituições, inclusive no que diz respeito à capacidade de colaboração com a sociedade civil, o setor privado (por meio de coalizões) e atores internacionais. Por fim, o relatório oferece recomendações sobre como a sociedade civil pode trabalhar para frear as políticas de desmantelamento dos órgãos ambientais e fortalecer a resiliência de tais órgãos, no intuito de preservar e, no longo prazo, fortalecer as suas capacidades de combater e a prevenir os crimes ambientais na região amazônica.