CIPÓ no ICL: Institutos de pesquisa pressionam G20 por maior ação climática

Por Vitória Gonzalez*

A emergência climática deixou de ser uma previsão distante relacionada apenas às gerações futuras para se tornar uma realidade que avança de forma implacável sobre pessoas e territórios. Ondas recordes de calor, enchentes devastadoras, secas prolongadas e incêndios florestais cada vez mais frequentes atingem territórios em todo o mundo — do Rio de Janeiro às capitais europeias, do Rio Grande do Sul à China, do Pantanal aos Estados Unidos, da Amazônia ao continente africano. Esses fenômenos impõem perdas humanas, econômicas e ambientais irreparáveis. Porém, apesar de as consequências serem globais, elas não são homogêneas.

As desigualdades dentro dos países e entre diferentes nações também se manifestam quando falamos em clima: de um lado, nem todo mundo sofre os mesmos impactos — e aqueles que menos contribuem para a emergência climática são os que mais sofrem com as suas consequências. De outro, nem todo mundo tem as mesmas condições de liderar as soluções — quando falamos, por exemplo, de acesso a financiamento e tecnologias para enfrentamento das mudanças climáticas, ainda há uma série de barreiras.

Diante desse cenário, agir não é mais uma opção: é urgência. Mas para que a ação climática esteja à altura da crise, ela precisa ser mais rápida, eficaz, ambiciosa e, sobretudo, coordenada. Isso exige o engajamento conjunto de diversos atores, como organismos multilaterais internacionais, governos, sociedade civil, academia, institutos de pesquisa, terceiro setor, setor privado e comunidades atingidas.

Nesse sentido, a atuação do Grupo dos 20 (G20) é de suma importância, já que reúne as maiores economias do mundo (ao todo, são 19 países e 2 organizações regionais — a União Europeia e a União Africana). Criado em 1999 com o objetivo de coordenar ações em questões econômicas e financeiras globais, também lida com uma série de outros temas com repercussões sobre essas áreas, como é o caso da emergência climática.

Como principal fórum de cooperação econômica internacional, responsável por mais de 85% do PIB e de 60% da população mundial, e também por mais de 80% das emissões de gases de efeito estufa do planeta, a relação do G20 com a agenda climática não pode ser lateral. Nesse sentido, embora clima não estivesse no centro do G20 quando da sua criação, o tema vem ganhando cada vez mais espaço em diferentes estruturas do grupo, sobretudo a partir de 2018, e também nas Declarações de Líderes, sobretudo a partir de 2021.

Além de suas estruturas formais, o G20 conta com grupos de engajamento — que são grupos setoriais independentes que buscam formular recomendações e influenciar o processo de tomada de decisão. Atualmente, existem mais de 10 grupos de engajamento (como T20, relacionado a think tanks e institutos de pesquisa; U20, relacionado a cidades; P20, relacionado a parlamentos; W20, relacionado a mulheres; e B20, relacionado a empresas).

No âmbito do T20, existe uma força-tarefa dedicada à agenda de ação climática e transições justas, em 2025 co-liderada pela Plataforma CIPÓ (Brasil), pelo IDDRI (instituto da França) e pela Southern Transitions (think tank da África do Sul). O grupo busca influenciar o G20 por meio de recomendações políticas produzidas com base em insumos técnicos de pesquisadores e cientistas de todo o mundo.

Em preparação para a Cúpula de Chefes de Estado do G20, que acontecerá em novembro na cidade sul-africana de Joanesburgo, a força-tarefa de ação climática e transições justas do T20 propõe quatro recomendações principais para contribuir ao enfrentamento da crise climática — relacionadas a minerais críticos, transições justas, financiamento para adaptação e transição, e nexo entre biodiversidade e clima. Mas por que, afinal, é importante que elas sejam consideradas pelos líderes do grupo?

A primeira recomendação ressalta que a corrida global por minerais essenciais à transição energética não pode reproduzir os padrões extrativistas do passado, e propõe que o G20 adote um marco regulatório robusto para as cadeias de minerais críticos, com foco em participação de comunidades locais, garantia de transparência, repartição justa de benefícios e sustentabilidade socioambiental.

Para isso, é essencial, por exemplo, que os países produtores deixem de ser meros fornecedores de matérias-primas e passem a participar das etapas de maior valor agregado dessas cadeias, com acesso a financiamento, tecnologia e capacitação técnica. A transparência dos acordos comerciais, a adoção de rígidos padrões globais de mineração e o monitoramento dos impactos sociais e ambientais são condições fundamentais para garantir que a transição energética global não perpetue desigualdades, mas sim contribua para o desenvolvimento inclusivo dos países do Sul Global.

A segunda recomendação destaca a necessidade de o G20 exercer liderança política global para promover transições justas a nível local, nacional, regional e internacional com base em abordagens integradas — envolvendo todos os setores da sociedade e todos os níveis de governo. Isso inclui o desenvolvimento de taxonomias que orientem políticas públicas e investimentos segundo critérios compartilhados. O que define, afinal, transições realmente justas? É necessário considerar, por exemplo, justiça social, equidade de gênero, redução da pobreza e empoderamento econômico.

Além disso, recomenda-se que o G20 aja no sentido de desbloquear impasses nas negociações climáticas internacionais, especialmente no âmbito da UNFCCC (a Convenção de Clima da ONU), e fortalecer a cooperação entre países do Norte e do Sul Global para construir uma governança que seja inclusiva e orientada para resultados concretos — e não apenas promessas que acabam não se realizando na prática. Não basta sair dos combustíveis fósseis — é preciso garantir que ninguém fique para trás neste processo.

A terceira recomendação tem como ponto de partida que, enquanto a crise climática avança, os recursos para adaptação e transição seguem muito aquém do necessário — especialmente nos países mais vulneráveis. Nesse sentido, reforça que a resposta à crise climática exige aumento expressivo e urgente desse financiamento. Em suma, o dinheiro precisa chegar de forma rápida, na quantidade necessária, e também com uma qualidade específica — isto é, sem aumentar dívidas e exacerbar novas desigualdades.

Assim, o G20 deve priorizar instrumentos financeiros que não agravem a dívida dos países em desenvolvimento — como doações e financiamentos concessionais e de longo prazo. O grupo de instituições de pesquisa também recomenda a padronização de procedimentos para diminuir custos de transição, o fortalecimento de seguros contra desastres climáticos, o incentivo a plataformas de investimentos lideradas pelos próprios países, e o apoio a inovações adaptadas a contextos locais, sobretudo em regiões altamente vulnerabilizadas. O financiamento climático deve, enfim, ser motor de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que prepara os países para enfrentar as consequências da mudança do clima — e não mais uma fonte de endividamento.

Por fim, a quarta recomendação defende a integração de clima, biodiversidade e desenvolvimento nas agendas do G20 sobre finanças sustentáveis, sistemas alimentares e transições energéticas, fomentando o fortalecimento de sinergias entre ação climática e conservação, uso e restauração da biodiversidade. Isso é necessário para dar conta da complexidade dos desafios atuais, e requer mecanismos concretos de implementação, financiamento novo, adicional e complementar, e a integração de compromissos e mecanismos de monitoramento. O G20 pode liderar essa integração ao promover uma bioeconomia baseada na conservação e no uso sustentável dos recursos naturais — capaz de gerar renda, proteger ecossistemas e fortalecer a resiliência de populações vulnerabilizadas.

Em um momento decisivo, quando o Acordo de Paris completa dez anos e a COP30 ocorre em território amazônico, é necessário substituir declarações e promessas por ações coordenadas, eficazes e com resultados concretos, elevar a ambição climática, e reafirmar — com clareza e coragem — o compromisso com o futuro do planeta e das próximas gerações.

Nesse sentido, a adoção das recomendações apresentadas pelo T20 para o G20 representa uma oportunidade ímpar. As propostas evidenciam que é possível alinhar ambição climática com justiça social, oferecendo caminhos viáveis para uma ação climática que seja coletiva, eficaz e justa. A janela de oportunidade ainda está aberta, mas vem se estreitando rapidamente. Cabe agora aos líderes globais traduzirem essas e outras diretrizes em políticas públicas concretas enquanto ainda há tempo.

*Coordenadora de Projetos da Plataforma CIPÓ

Plataforma CIPÓ
Plataforma CIPÓhttp://plataformacipo.org/
A Plataforma CIPÓ é um instituto de pesquisa independente liderado por mulheres e dedicado a questões de clima, governança e paz na América Latina e no Caribe e no resto do Sul Global.

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