Como a agenda de transição justa avançou na COP30

Por Plataforma CIPÓ

A COP30, realizada em Belém, marcou um ponto de virada na consolidação da agenda global de transição justa. Após anos de negociações complexas, a conferência avançou na definição de princípios orientadores e criou um mecanismo internacional voltado à cooperação técnica e ao fortalecimento de capacidades.

Embora ainda insuficiente em alguns aspectos, o acordo representa um avanço histórico ao colocar direitos humanos, participação social e inclusão de comunidades vulnerabilizadas no centro da ação climática.

Por que a transição justa ganhou centralidade
Movimentos sociais, povos indígenas, trabalhadores, organizações da sociedade civil e de territórios vulnerabilizados vêm defendendo há décadas que a transição para economias de baixo carbono não pode reproduzir desigualdades históricas. A transição justa passou, assim, a ser vista não apenas como uma dimensão trabalhista, mas como uma agenda de equidade, proteção social e direitos humanos.

O ano de 2025 era considerado decisivo para consolidar esse entendimento dentro da Convenção do Clima. Isso porque o mandato do Programa de Trabalho sobre Transição Justa se encerra em 2026, podendo ou não ser renovado.

Uma agenda que vai além da força de trabalho
Se inicialmente o debate global sobre transição justa focava apenas nos impactos sobre trabalhadores da indústria fóssil, a visão evoluiu ao longo dos últimos anos — especialmente graças ao papel do Sul Global. O escopo passou a incluir:
* Povos indígenas e comunidades locais
* Populações afrodescendentes
* Trabalhadoras e trabalhadores da economia do cuidado
* Salvaguardas sociais e ambientais
* Proteção da biodiversidade
* Cadeias de valor sustentáveis
* Participação social como princípio transversal

Essa abordagem mais ampla guiou as negociações que culminaram em Belém.

Como chegamos até aqui
* COP27 ( Sharm el-Sheikh, 2022): criação do Programa de Trabalho sobre Transições Justas dos Emirados Árabes Unidos ( UAE Just Transition Work Programme).
* 2023–2024: impasses sobre escopo, princípios e formato do mecanismo
* 2024: diálogos começam a incorporar linguagem mais robusta baseada em direitos.
* 2025: forte expectativa para finalmente destravar princípios e definir mecanismos sob a Convenção do Clima.

O impulso dado por Bonn (SB62)
A etapa de junho de 2025 ocorreu durante a 62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários da Convenção do Clima (SB62), encontro técnico anual que prepara decisões para a COP. Essa sessão gerou avanços significativos:
* Consolidação de um rascunho robusto de princípios;
* Consenso crescente sobre a centralidade dos direitos humanos;
* Ênfase na participação social e na proteção de grupos vulnerabilizados.

Foi nesse contexto que a Plataforma CIPÓ lançou o policy brief “Do G20 à UNFCCC: Caminhos para Transições Justas e Inclusivas”, defendendo:
* Princípios de alto nível
* Financiamento acessível
* Salvaguardas sociais e ambientais
* Uma plataforma de matchmaking entre projetos e recursos

Esse acúmulo influenciou as negociações em Belém.

O que estava em jogo na COP30
As decisões centrais da conferência incluíam:
Aprovação de princípios orientadores da transição justa, com enfoque em direitos, equidade e participação.
Definição do instrumento institucional, discutido há quatro anos — mecanismo, programa ou plataforma de assistência técnica.
Persistiam divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre:
* O formato do mecanismo,
* Suas atribuições,
* O acesso a financiamento e tecnologia,
* E a linguagem referente à transição para longe dos combustíveis fósseis.

A Presidência brasileira teve papel ativo na mediação para evitar travamentos.

O que avançou no texto final
O documento aprovado trouxe conquistas relevantes:
– Linguagem explícita baseada em direitos humanos
– Destaque para povos indígenas, comunidades locais, populações afrodescendentes, mulheres e trabalhadores
– Referências a marcos essenciais, incluindo:
Organização Internacional do Trabalho (OIT) — alinhando a transição justa a direitos fundamentais no trabalho, trabalho decente, proteção social e participação de trabalhadores nas decisões.
– Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP) — reforçando direitos territoriais, participação plena e consentimento livre, prévio e informado.
– Princípios de direitos humanos da ONU — como igualdade, não discriminação, salvaguardas e participação social.

– Valorização da participação social
* Criação de um mecanismo internacional de cooperação, voltado à assistência técnica e à troca de conhecimento
* O reconhecimento de direitos e da participação social como pilares representa um avanço significativo para o Sul Global.

Pontos que permanecem em desenvolvimento
Apesar dos avanços, permanecem pontos a serem fortalecidos, como a definição de financiamento dedicado, o avanço em transferência de tecnologia e a construção de uma linguagem mais clara sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis.

Esses elementos não eliminam a importância do acordo, mas indicam que o mecanismo aprovado opera como uma “proposta ponte” entre o consenso político alcançado e as necessidades práticas de implementação.

Contribuições da CIPÓ em 2025
Além do policy brief apresentado na SB62, a Plataforma CIPÓ contribuiu com o estudo “From Principles to Action: Strengthening the G20 Approach to Just and Inclusive Energy Transitions”, desenvolvido pelo T20 África do Sul. A publicação recomenda:
* Salvaguardas sociais e ambientais robustas
* Mecanismos de responsabilização
* Financiamento adequado
* Uma plataforma internacional de matchmaking

Essas recomendações dialogam diretamente com as decisões tomadas na COP30.

Balanço final
A COP30 consolidou:
* Um avanço histórico na definição de princípios e na criação de um mecanismo sob a Convenção
* A centralidade dos direitos humanos e da participação social
* Um caminho ainda a desenvolver em termos de financiamento e tecnologia
* O reconhecimento da transição justa como agenda estratégica do Sul Global

A Plataforma CIPÓ seguirá articulando sociedade civil, G20 e UNFCCC para transformar princípios em ações concretas e inclusivas.

Plataforma CIPÓ
Plataforma CIPÓhttp://plataformacipo.org/
A Plataforma CIPÓ é um instituto de pesquisa independente liderado por mulheres e dedicado a questões de clima, governança e paz na América Latina e no Caribe e no resto do Sul Global.

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