*Maiara Folly, Jack Rocha e María Fernanda Espinosa
A emergência climática não é neutra: aprofunda desigualdades de gênero, raça e renda. Em todo o mundo, mulheres e meninas estão na linha de frente tanto dos impactos mais graves da crise quanto das soluções para enfrentá-la. Ainda assim, seguem sistematicamente sub-representadas nos espaços onde se decide o futuro do planeta.
A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá em Belém em 2025, representa uma oportunidade para começar a mudar essa realidade. Será a COP da Amazônia, a COP da Implementação – e pode, também, tornar-se a COP das Mulheres.
Impactos desiguais, vozes silenciadas
A ONU estima que 80% das pessoas deslocadas por desastres e mudanças climáticas são mulheres. Projeta ainda que, até 2050, a crise climática poderá empurrar 158 milhões de mulheres e meninas para a pobreza – 16 milhões a mais do que o número previsto para homens e meninos.
Eventos extremos afetam de maneira desproporcional as condições de vida de mulheres e meninas: reduzem o acesso à escola, aumentam riscos de violência de gênero, e comprometem a autonomia econômica. No Brasil, mulheres negras são as mais impactadas pelas enchentes e deslizamentos que devastam periferias urbanas, pelas secas que comprometem a segurança alimentar e pela poluição que agrava problemas de saúde.
Ainda assim, em 2022, apenas 3% de toda a assistência oficial ao desenvolvimento para o clima apoiou projetos voltados à igualdade de gênero.
Um déficit democrático global e nacional
Essa exclusão se reflete também nas instâncias da governança global, que têm papel fundamental na coordenação da resposta internacional à crise climática. Em 80 anos de existência, apenas cinco mulheres presidiram a Assembleia Geral das Nações Unidas. Eu, María Fernanda, fui a quarta mulher a ocupar esse cargo – e a primeira da nossa região, a América Latina e o Caribe. Mas, até hoje, nenhuma mulher ocupou o cargo de Secretária-geral da ONU.
No regime climático, a realidade não é diferente. Na COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão, apenas 37.8% dos delegados eram mulheres, e só 32.3% chefiavam delegações. Esse déficit de representatividade também se repete nos parlamentos nacionais, onde leis e orçamentos climáticos são discutidos e aprovados. No Brasil, mulheres ocupam apenas cerca de 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Eu, Jack Rocha, sou a primeira mulher negra eleita pelo meu estado, o Espírito Santo, e atuo em um parlamento onde menos de 10% dos membros são pessoas negras – em um país em que mais da metade da população se autodeclara preta ou parda.
Essa ausência significa menos vozes femininas na formulação de legislações e políticas climáticas capazes de refletir as necessidades das mulheres em toda a sua diversidade. Sem maior participação delas – em nível local, nacional e internacional –, as respostas à emergência climática, desde estratégias de mitigação e transição energética até adaptação e financiamento, continuarão incapazes de atender de forma justa às populações mais afetadas.
Desafios e oportunidades para virar o jogo
No plano internacional, há oportunidades para reverter esse cenário. Em 2026, será definido quem comandará o mais alto posto da ONU. Como defendem as campanhas globais 1 for 8 Billion e Madam Secretary General, será a hora de corrigir uma injustiça histórica e nomear uma Secretária-geral do Sul Global comprometida com justiça climática, igualdade de gênero e multilateralismo inclusivo.
Antes disso, em 2025, o Brasil sediará a COP30 em Belém. Espera-se que nela seja adotado um novo Plano de Ação de Gênero. Para que seja efetivo, é fundamental que o documento, que precisa ser endossado por todas as 198 Partes da Convenção da ONU do Clima, contemple alguns elementos-chave.
Em primeiro lugar, a transversalização da perspectiva de gênero em todas as instâncias da governança climática, garantindo que o tema não fique restrito a nichos ou espaços secundários, mas esteja no centro dos debates multilaterais sobre clima. Além disso, o plano deve incorporar a interseccionalidade como princípio central, de modo a reconhecer e ajudar a enfrentar as múltiplas formas de discriminação, estruturas de poder e desigualdades que se sobrepõem e intensificam vulnerabilidades diante da crise climática.
É igualmente essencial adotar medidas que promovam o empoderamento e a proteção de mulheres indígenas, defensoras ambientais e líderes comunitárias. Também é necessário reconhecer o pleito histórico do movimento negro brasileiro e de organizações como o Instituto Geledés, que defendem o reconhecimento dos direitos e do papel das mulheres afrodescendentes – não apenas pelo grau de vulnerabilidade que enfrentam, mas pela sua liderança na defesa e preservação de comunidades e territórios.
Na COP30, é preciso que essa lente de gênero seja incorporada aos principais temas de negociação. Isso inclui estar refletida nos indicadores que medirão o progresso do Objetivo Global de Adaptação; permear as discussões sobre financiamento climático – incluindo o Roadmap de Baku a Belém, que busca mobilizar US$ 1,3 trilhão e deveria indicar medidas concretas para ampliar o acesso direto a recursos por mulheres e organizações lideradas por elas – e ser integrada ao Programa de Trabalho sobre Transição Justa. Só assim a transição para economias de baixo carbono será verdadeiramente justa, promovendo tanto a sustentabilidade ambiental quanto a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.
Por fim, o Brasil tem a responsabilidade de liderar pelo exemplo: levar a Belém uma delegação diversa, que reflita a pluralidade de gênero e raça de sua população, e contribuir para que a COP30 seja lembrada não apenas como a COP da Amazônia e da Implementação, mas também como a COP das Mulheres – um marco na promoção de soluções climáticas lideradas por e para mulheres.
*Maiara Folly é diretora-executiva da Plataforma CIPÓ, Jack Rocha é deputada Federal e coordenadora da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, e María Fernanda Espinosa é diretora-executiva da GWL Voices, ex-ministra das Relações Exteriores do Equador e primeira mulher latino-americana a presidir a Assembleia Geral da ONU.