Conferência marcou a retomada da agenda de financiamento ao desenvolvimento no âmbito da ONU; Estados Unidos ficaram de fora das negociações
Mariana Franco Ramos*
A Plataforma CIPÓ teve participação de destaque na 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), realizada entre 30 de junho e 3 de julho em Sevilha, na Espanha. Além de acompanhar plenárias e reuniões de alto nível, a organização coorganizou dois eventos paralelos estratégicos que colocaram em pauta a justiça climática e a reforma da arquitetura financeira internacional.
Com a presença de chefes de Estado, ex-mandatários e especialistas de todo o mundo, a conferência culminou na adoção do Compromisso de Sevilha, documento que propõe uma ambiciosa agenda de reformas estruturais para viabilizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com destaque para justiça fiscal, igualdade de gênero e ação climática. Os Estados Unidos não compareceram à FfD4, após se retirarem das negociações e cortarem apoios a programas humanitários e de combate à pobreza.
A delegação da CIPÓ foi composta pela diretora-executiva, Maiara Folly, a diretora de programas, Mariana Rondon, e o pesquisador Nycolas Candido. O grupo contribuiu ativamente para os debates propostos, com foco na defesa de soluções sustentáveis e inclusivas para os países do Sul Global.
Brasil e Europa em diálogo sobre justiça tributária e climática
No dia 1º de julho, a CIPÓ coorganizou, ao lado do Ministério da Fazenda, da Delegação da União Europeia no Brasil e da European Climate Foundation, o 2º Diálogo Brasil–Europa sobre Finanças Climáticas. O evento, que contou com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e da Embaixada da França no Brasil, reuniu autoridades e especialistas para discutir formas de fortalecer a cooperação tributária internacional e promover mecanismos fiscais inovadores para combater desigualdades e financiar a transição ecológica.
“Hoje estamos tratando de um tema em que Brasil e Europa nem sempre compartilham as mesmas posições: a tributação. Mas é justamente por isso que encontros como este são tão importantes”, afirmou Maiara Folly, na abertura do evento. “A Declaração Ministerial do Rio sobre Cooperação Tributária Internacional e o reconhecimento da taxação de grandes fortunas no documento final da FfD4 mostram que Brasil e União Europeia podem atuar de forma propositiva na construção de sistemas tributários mais justos”, completou.
O painel teve como convidado de honra o ministro Márcio Macêdo, chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil. A abertura contou ainda com falas de destaque da embaixadora Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda; William Roos, secretário-adjunto do Tesouro da França; e Ali Mohamed, enviado especial para Mudança do Clima da Presidência do Quênia.
O debate contou também com intervenções de especialistas como Abhijit Banerjee (Massachusetts Institute of Technology), Jayati Ghosh (UMass Amherst), Laura Carvalho (Open Society Foundations) e Pascal Saint-Amans (Bruegel), além de representantes da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e do Observatório Fiscal da União Europeia.
Justiça climática no centro da reforma financeira global
Já no dia 2 de julho, a CIPÓ coorganizou, junto ao Club de Madrid e à Impact Coalition on International Financial Architecture Reform, o evento “Financing an Equitable, Fair, Inclusive and Resilient Future”. A discussão reuniu ex-presidentes, economistas e representantes de organismos internacionais em torno da necessidade de uma reforma profunda na arquitetura financeira global, com justiça climática e resiliência ecológica no centro das estratégias.
Entre os temas abordados estiveram o fortalecimento das finanças verdes, a realocação de Direitos Especiais de Saque (SDRs) e estratégias mais inclusivas para a mitigação de riscos financeiros. “Estamos falando de reformas estruturais. Precisamos garantir que os recursos cheguem a quem mais precisa e que a arquitetura financeira global esteja alinhada com os objetivos climáticos e de equidade”, destacou Folly.
Marcaram presença lideranças como Michelle Bachelet (ex-presidenta do Chile), Carlos Alvarado (ex-presidente da Costa Rica), Aminata Touré (ex-primeira-ministra do Senegal), Jin Liqun (Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura), Ambroise Fayolle (BEI), Alicia Montalvo (CAF), Anacláudia Rossbach (ONU-Habitat), Cecilia Tam (IEA) e Matias Rebello Cardomingo (Ministério da Fazenda do Brasil).
O que está em jogo: o Compromisso de Sevilha
Resultado central da conferência, o Compromisso de Sevilha traça um novo marco para o financiamento do desenvolvimento, reafirmando compromissos anteriores e propondo medidas concretas para enfrentar a crescente lacuna de US$ 4 trilhões anuais no financiamento para os ODS.
O documento propõe: Reformar a arquitetura financeira internacional para torná-la mais inclusiva, eficaz e representativa; Avançar em uma cooperação tributária global mais justa, com destaque para a taxação de grandes fortunas e o combate à evasão fiscal; Alinhar os sistemas financeiros com metas climáticas e de equidade, promovendo finanças verdes e redistribuição de riscos; Fortalecer a cooperação internacional em tempos de crise e ampliar o financiamento climático, incluindo o uso de Direitos Especiais de Saque (SDRs) e novos mecanismos de alívio da dívida.
O Compromisso será agora submetido à Assembleia Geral da ONU para endosso formal.
Conexões com a COP30 e o G20
A participação da CIPÓ na FfD4 integra uma estratégia mais ampla de advocacy e incidência internacional, que inclui a preparação para a COP30 — a ser realizada em Belém, em novembro de 2025 — e a atuação no ciclo de debates ligados à presidência brasileira do G20, em 2024, e agora dos BRICS.
Durante a conferência, a equipe da CIPÓ também participou de eventos promovidos por organizações como Global Citizen, Devex, Project Starling e Foundation for European Progressive Studies (FEPS), além de acompanhar a plenária na qual o ministro Márcio Macêdo discursou em nome da delegação brasileira.
“Esse é um ano decisivo. Temos a chance de reconstruir a cooperação multilateral em novas bases: mais justas, mais sustentáveis, mais inclusivas. A Plataforma CIPÓ seguirá mobilizada para garantir que os compromissos firmados em Sevilha se traduzam em ações concretas”, concluiu Folly.
* Mariana Franco Ramos é coordenadora de Comunicação da Plataforma CIPÓ