A força da amarelinha – Leia reportagem da CIPÓ para a Central da COP

*Mariana Franco Ramos, da Plataforma CIPÓ, para a Central da COP, do Observatório do Clima

A menos de quatro meses da COP30 – a primeira conferência climática da ONU sediada na Amazônia –, Brasil e Colômbia estão com uma chance rara de comandar o jogo climático. Os dois países, que abrigam extensões consideráveis do bioma, têm as principais economias da região e governos eleitos com compromissos ambientais importantes, mas enfrentam desafios e diferenças que dificultam uma cooperação bilateral.

“Temos uma oportunidade histórica que está sendo pouco aproveitada”, afirma Marília Closs, coordenadora de projetos da Plataforma CIPÓ e doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Segundo Closs, Brasil e Colômbia seguiam caminhos diferentes na política externa, com a Colômbia próxima dos EUA e o Brasil buscando autonomia. Esse cenário começou a mudar após as eleições de Gustavo Petro e Lula em 2022, quando ambos passaram a priorizar pautas ambientais.

Segundo Diogo Ives, pesquisador do Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas (OIMC), embora tanto o governo Petro quanto o governo Lula procurem conter o desmatamento e a degradação florestal, o colombiano tenta uma ofensiva contra os combustíveis fósseis. Lula, por outro lado, adota uma estratégia de diversificação energética, ampliando a geração de energia renovável sem abrir mão de fósseis, como simbolizado pelo desejo de prospectar petróleo na Bacia da Foz do Amazonas.

Um dos marcos recentes da cooperação regional foi a Declaração de Belém, lançada em agosto de 2023, durante a Cúpula da Amazônia. A assinatura do documento reuniu os oito países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) em torno de 113 compromissos, reafirmando a meta do desmatamento zero e o incentivo a modelos energéticos limpos, com o lançamento de uma agenda comum.

Mas embora tenha representado um avanço, a declaração deixou de abordar frontalmente algumas questões sensíveis, como o uso de combustíveis fósseis na Amazônia. “É um tema que, tradicionalmente, não integra a agenda de cooperação regional”, continua Marília Closs, da Plataforma CIPÓ. Essa ausência de um posicionamento mais claro sobre a matriz energética pode limitar o alcance das iniciativas conjuntas voltadas à transição ecológica.

Já Diogo Ives, do OIMC, afirma que houve um esforço do governo colombiano para levar o debate adiante. “Petro instou os demais presidentes a serem mais ambiciosos nesse assunto, mas não teve sucesso. Lula optou pelo silêncio no tema”, diz. Para ele, o que foi colocado, nas entrelinhas, é que os países não coordenarão esforços significativos entre si no que se refere à transição energética na Pan-Amazônia. A implementação dos compromissos da Declaração será um dos focos da próxima reunião de presidentes dos países amazônicos, na Cúpula da Amazônia, espécie de pré-jogo da COP, agendada para agosto deste ano, em Bogotá, na Colômbia.

Na política brasileira, a Margem Equatorial – que inclui a Foz do Amazonas – virou foco de tensão. A região, vista como um “novo pré-sal”, gera disputa em torno da exploração dentro do próprio governo. A região é alvo de interesse da Petrobras, com Lula defendendo que o Ibama autorize a atividade, enquanto a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, insiste na adoção de “critérios técnicos”. Essa indefinição e o peso político do tema dificultam sua inclusão nas agendas de cooperação regional. “A resistência de Lula em abrir mão do petróleo na Margem Equatorial se explica, em parte, porque grandes potências também estão abrindo frentes de exploração na Guiana e no Suriname”, diz o pesquisador do OIMC.

Ives questiona a tentativa do governo brasileiro de justificar a exploração com base em compensações climáticas (“net zero”). Essa lógica, segundo ele, vem dos anos 1970. “O problema é o anacronismo, dado o agravamento da emergência climática. Além disso, não está claro para a ciência se a capacidade de árvores absorverem gases de efeito estufa se mantém em ambientes muito quentes e poluídos”.

Paralelamente às articulações entre governos, os povos indígenas da Amazônia vêm, há décadas, construindo suas próprias redes de cooperação transfronteiriça. Entre elas estão o Fórum Social Pan-Amazônico e a Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica. Em 2024, durante a COP16 da Biodiversidade, realizada em Cali, na Colômbia, foi criado o G9 da Amazônia Indígena, com representantes dos nove países do bioma, incluindo a Guiana Francesa.

“O G9 foi criado para permitir que os povos indígenas se coordenem e façam uma incidência política mais produtiva. Eles estão fazendo sua parte há décadas, e isso não é banal”, afirma Closs. Apesar da centralidade nas questões ambientais, ainda falta espaço para os povos originários nas instâncias oficiais.

Diante desse cenário, os pesquisadores concordam que Brasil e Colômbia têm tempo e espaço para compartilhar a braçadeira de capitão na governança climática. “É preciso pensar a ecologia política da Amazônia levando em conta seus povos, suas mulheres, seus territórios”, diz Closs. Com a Cúpula da Amazônia prevista para agosto de 2025 e a COP30 em novembro, se aproxima um momento-chave para os dois países assumirem uma liderança conjunta, algo nunca visto entre os países amazônicos.

Plataforma CIPÓ
Plataforma CIPÓhttp://plataformacipo.org/
A Plataforma CIPÓ é um instituto de pesquisa independente liderado por mulheres e dedicado a questões de clima, governança e paz na América Latina e no Caribe e no resto do Sul Global.

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