CIPÓ no ICL – Entre a vitalidade de Belém e os impasses nas negociações: o legado da COP30

Por Marília Closs e Maiara Folly*

Definitivamente, esta não foi uma COP fácil. A primeira Conferência do Clima na Amazônia expôs, sem disfarces, desafios geopolíticos complexos e polarizações que há décadas travam a Convenção do Clima da ONU. A Presidência brasileira da COP30 avançou no que era possível, com ousadia institucional e criatividade política, mas os resultados – como tantas vezes acontece nesses espaços – ficaram aquém da urgência climática. Ainda assim, num ambiente em que consensos eram quase inalcançáveis, a aprovação do Pacote Político de Belém se impõe como uma vitória do multilateralismo.

Havia muita expectativa – e esperança – em relação à COP30. Seria uma COP em uma democracia após anos de realização de Conferências das Partes (COP) da Convenção-Quadro de Mudança do Clima em países com diferentes níveis de restrição à participação social e à liberdade de expressão. Ao assumir a Presidência da COP30, o Brasil se mostrou, desde o início, engajado e criativo, propondo uma série de inovações, como a convocação de enviados especiais para temas e regiões, a construção do Círculo dos Líderes, do Círculo dos Ministros das Finanças e do Círculo dos Povos, e o denominado Balanço Ético Global. Seria, como prometido em suas diversas cartas por André Corrêa do Lago, presidente da COP, uma COP da Implementação, mas com maior contato com as pessoas – um respiro em um processo historicamente marcado por jargões técnicos e baixa participação social. Ou seja, havia um caminho interessante sendo pavimentado.

No entanto, para além do que a presidência brasileira estava propondo, havia desafios estruturais. Afinal, vivemos um momento delicado do multilateralismo, no qual a maior potência e economia global, os Estados Unidos, não apenas abandonou o Acordo de Paris, mas opera contra toda a governança climática internacional. De forma complementar, a própria agenda de negociação – mandatada em momentos anteriores – deixava pouca margem de manobra para avançar em temas prioritários para o Sul Global e para agendas de justiça climática. Não havia um “grande tema” da COP30, como tantas outras vezes houve. Finalmente, a própria dinâmica deste ano nasceu comprometida pelo fracasso anterior: em Baku, a COP29 adotou uma Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG, na sigla em inglês) de 300 bilhões de dólares anuais – muito abaixo das necessidades reais, que já ultrapassam o trilhão – e sem definir responsáveis nem mecanismos claros de provisão.

Frente a esse cenário, a mesa de negociação da COP30 era bastante difícil. Na terceira e na sexta Cartas da Presidência Brasileira, o presidente da COP deixou nítido quais seriam os temas prioritários para o Brasil: a implementação do primeiro balanço global, a transição justa (e seu programa de trabalho) e adaptação (com algumas agendas como a Meta Global de Adaptação, ou GGA, na sigla em inglês). Contudo, em função da agenda estabelecida previamente, questões que são centrais para a implementação do Acordo de Paris e para a manutenção do objetivo de limitar o aquecimento global a 1.5°C não possuíam um espaço formal – e mandatado – para negociações. E estes temas, frequentemente mencionados pelas Partes nos últimos anos, levaram a impasses em várias das trilhas negociadoras.

Como forma de evitar que tais impasses bloqueassem a construção de consensos e para destravar as negociações, ainda na primeira semana de COP30 a presidência brasileira optou por abrir consultas sobre quatro destes pontos: a operacionalização do artigo 9.1 do Acordo de Paris, que trata sobre a provisão de financiamento público pelos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento; a avaliação dos Relatórios Bianuais de Transparência; as medidas unilaterais de comércio; a lacuna de ambição das metas climáticas dos países e das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que, inevitavelmente, perpassam a questão da transição para longe dos combustíveis fósseis.

Com relação ao financiamento, o impasse era grande. De um lado, países e grupos negociadores do Sul Global pediam, com razão, que as agendas em negociação contassem com maiores compromissos – principalmente provisão por parte dos países do Norte Global. Os países desenvolvidos – liderados pela União Europeia como bloco –, no entanto, não estavam abertos. Na prática, agendas de negociação, como adaptação, gênero e tecnologia, também tiveram afetadas por impasses, frente a oposições que pareciam ser inegociáveis entre as partes. Como já era esperado, o nó do financiamento não resolvido em Baku se “esparramou” para as demais agendas de negociação.

Mesmo fora das agendas de negociação, o tema dos combustíveis fósseis também teve uma marca política importante na COP de Belém. Há tempos apontados pela ciência como os principais vilões da crise climática, eles ganharam um encaminhamento consistente na COP28, em Dubai, quando a primeira edição do balanço global (ou global stocktake, em inglês) da implementação do Acordo de Paris indicou a necessidade de transicionar para longe dos combustíveis fósseis (ou TAFF, na sigla em inglês). Desde então, não se conseguiu dar seguimento a este compromisso.

Em Belém, o Brasil procurou preencher essa lacuna. A proposta brasileira, liderada principalmente pela ministra Marina Silva e pelo presidente Lula, foi a criação de um mapa do caminho, com metas e prazos objetivos, para que os países realizassem a transição para longe dos combustíveis fósseis. A ideia era inserir este roadmap – junto a um outro, sobre o fim do desmatamento – na chamada Decisão de Mutirão, uma espécie de “decisão de capa”, ou seja, que não passa pelos procedimentos formais de negociação, mas que incorporaria elementos para lidar com os quatro temas sob consulta. No entanto, não houve consenso, e os mapas do caminho não constaram no documento final. O presidente da COP, contudo, anunciou na plenária de encerramento que seguirá com o processo com países que quiserem se engajar de maneira voluntária na construção desses mapas. A ausência de consenso já era esperada, mas certamente as movimentações brasileiras colaboraram para deixar o tema vivo.

A Decisão de Mutirão também trouxe elementos importantes, como o anúncio do Acelerador Global de Implementação, com o objetivo de acelerar a implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas, no sentido de manter vivo o objetivo do Acordo de Paris de limitação de temperatura do planeta – a chamada “missão 1.5ºC”; a criação de um programa de trabalho de dois anos sobre financiamento climático; e compromissos de triplicar os fluxos de financiamento para adaptação – ainda que a data-meta do compromisso seja apenas 2035, quando os países em desenvolvimento pediam o prazo de 2030, e que o texto não indique de maneira clara um ano-base para orientar a triplicação. Houve também uma fraca recepção ao mapa do caminho de Baku a Belém rumo a 1.3 trilhão de dólares, elaborado pelos governos do Brasil e do Azerbaijão para indicar rotas de melhoria nos fluxos de financiamento climático e apresentado pouco antes do início da COP, mas com pouca operação prática em Belém. Por outro lado, o documento final conta com linguagem que pode ser considerada progressista, ao reafirmar a importância dos povos indígenas e reconhecer, de maneira inédita, o papel das populações afrodescendentes no combate às mudanças do clima.

Na mesa de negociação, fez-se, de fato, o possível. Houve resultados importantes, como a aprovação de um mecanismo, sob o escopo da convenção, para promover a cooperação internacional – em forma de assistência técnica e compartilhamentos de conhecimentos – voltada à transição justa, agenda prioritária para a COP30. A iniciativa – muito celebrada pelos países do Sul Global – veio acompanhada de uma linguagem abrangente, que reforça trajetórias de transição centradas nos direitos humanos, com ênfase nos direitos de povos indígenas, comunidades locais, afrodescendentes, mulheres, crianças e migrantes, além da participação social, dos direitos trabalhistas e da integridade dos ecossistemas. A consolidação de um mandato para o Belém Technology Implementation Programme também é um avanço digno de nota, já que a agenda de tecnologia pode e deve fazer mais pelo combate à crise climática. Na parte formal das negociações, porém, ficou a frustração com a dificuldade de encaminhar de maneira consistente a agenda da adaptação: embora tenham sido adotados indicadores para o Objetivo Global de Adaptação, eles carecem de consistência técnica para medir, de fato, o progresso na área.

Apesar de avanços importantes, o Pacote Político de Belém deixa uma sensação de insuficiência. Para quem esperava mais ambição climática, faltou bastante – sobretudo maior atenção aos combustíveis fósseis. Para quem buscava mais financiamento – e cobra, com razão, que os países do Norte Global cumpram os acordos de financiamento já estabelecidos – faltou justamente colocar os recursos para jogo. A polarização central da Conferência permaneceu entre quem demanda mais implementação e quem exige, antes, meios adequados para viabilizá-la, sobretudo financiamento.

A presidência brasileira da COP30 avançou até onde havia margem, mas o nó estrutural segue apertado: como garantir a implementação, se as responsabilidades do Norte Global – definidas pela Convenção do Clima e pelo Acordo de Paris – continuam sem plena materialização em financiamento, transferência de tecnologia e desenvolvimento de capacidades? Quem deve liderar esse processo: os que precisam aumentar sua ambição climática ou os que devem assegurar o fluxo de recursos necessário para sustentá-la? Diante desse impasse, a pergunta inevitável é: quem vai ceder?

A COP30 não solucionou esses dilemas – e dificilmente o faria. São questões que ultrapassam a Conferência e evidenciam limites da governança climática internacional. Belém, porém, trouxe outra dimensão ao processo: uma cidade marcada pela diversidade, pela hospitalidade e por uma cultura vibrante, que deu à Conferência um caráter vivo e plural, mesmo que essa vitalidade não tenha se traduzido integralmente às salas de negociação. Os paradoxos e impasses centrais permanecem, mas a experiência de Belém indica que existe margem para renovação política. Se essa capacidade de imaginação conseguirá, um dia, influenciar o núcleo do regime climático, é uma pergunta que seguirá aberta.

*Marília Closs é coordenadora de projetos e Maiara Folly é diretora-executiva da Plataforma CIPÓ

Plataforma CIPÓ
Plataforma CIPÓhttp://plataformacipo.org/
A Plataforma CIPÓ é um instituto de pesquisa independente liderado por mulheres e dedicado a questões de clima, governança e paz na América Latina e no Caribe e no resto do Sul Global.

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