Enquanto o mundo fala em neutralidade climática, as regras do jogo continuam favorecendo quem já está no topo. O verdadeiro teste da COP30 será mostrar se o multilateralismo pode, de fato, se tornar motor do desenvolvimento sustentável: transformando compromissos em ações concretas e garantindo que os frutos da transição sejam distribuídos de forma justa.
Historicamente, as nações que hoje são ricas construíram sua prosperidade com base em modelos poluentes, extrativistas e excludentes, que favoreceram de forma desigual uma minoria de países e elites dentro deles. Hoje, muitas dessas nações passaram a liderar as tecnologias verdes e concentram a maior parte dos ganhos da transição ecológica.
Mas chegaram lá graças a um fator central: a atuação ativa do Estado. Foi o investimento público, subsídios, compras governamentais, políticas industriais e até mesmo medidas protecionistas que criaram as condições para a inovação.
Ironicamente, as instituições da governança global e a arquitetura financeira internacional, dominadas pelos países desenvolvidos, tentam prescrever ao Sul Global justamente o oposto dos caminhos que eles próprios trilharam para alcançar o desenvolvimento.
É por isso que, para que o Sul Global consiga aproveitar a janela de oportunidade verde e promover o que a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) chama de “big push”, ou grande salto pela sustentabilidade, dois elementos centrais são necessários. Primeiro, uma mudança de paradigma econômico que reconheça a centralidade do Estado como indutor de uma transformação ecológica justa. Segundo, a reorganização da governança global, para que suas instituições deixem de atuar de forma fragmentada e assumam, de maneira coordenada, a missão de impulsionar esse grande impulso.
O problema é que as instituições financeiras internacionais, inclusive os bancos multilaterais de desenvolvimento, continuam, em grande medida, presas a uma lógica ultrapassada, centrada na primazia das soluções de mercado e em políticas de austeridade. Além de restringir a capacidade de investimentos públicos em soluções sociais e climáticas, esse modelo, como define a economista Mariana Mazzucato, socializa os riscos e privatiza os benefícios. Recursos públicos dos países acionistas são frequentemente utilizados para reduzir ou eliminar riscos de investimentos privados em setores estratégicos, como o de energia renovável.
Uma vez mitigados os riscos, os lucros elevados, assim como os direitos de propriedade intelectual de tecnologias, tendem a permanecer com as empresas, que muitas vezes restringem o acesso ou impõem custos proibitivos a essas inovações. Para agravar, muitas recorrem a paraísos fiscais e outras estratégias de evasão para evitar pagar impostos, reduzindo ainda mais o retorno ao Estado e à sociedade.
É urgente romper com essa lógica. A arquitetura financeira internacional precisa ser redesenhada para fortalecer o papel do Estado não apenas no fomento à inovação tecnológica verde, mas também na implementação de políticas públicas estruturantes, sobretudo nos países em desenvolvimento. Isso significa financiar estratégias de industrialização verde que gerem valor agregado e empregos de qualidade; promover mecanismos de qualificação, compensação e proteção social para trabalhadores e comunidades afetadas; e investir em acesso universal à energia limpa, em infraestrutura sustentável e em adaptação climática.
Mas essa mudança só terá impacto global se enfrentarmos outro desafio: a fragmentação da governança internacional. As negociações e organismos multilaterais sobre clima, biodiversidade, comércio, finanças e desenvolvimento seguem em caixinhas isoladas, sem coordenação. O resultado é um multilateralismo incapaz de responder à urgência climática.
Dois exemplos recentes mostram o potencial de conectar melhor a agenda do clima a outras áreas, inclusive a econômica. O Pacto para o Futuro, adotado por consenso pelos Estados-membros da ONU, avançou na ideia de medir desenvolvimento para além do Produto Interno Bruto (PIB). Essa mudança é urgente, pois, se continuarmos presos ao PIB, que mede crescimento econômico, mas não sustentabilidade nem equidade, será pouco provável que os países consigam implementar suas NDCs e o Acordo de Paris, preservar a biodiversidade e promover transições justas.
Já o Compromisso de Sevilha, fruto da Quarta Conferência de Financiamento para o Desenvolvimento e endossado por todos os países, com exceção dos Estados Unidos, trouxe propostas concretas para ampliar a capacidade dos Estados de promover ação climática e desenvolvimento sustentável. Entre elas estão medidas para aumentar o espaço fiscal, avançar na progressividade tributária, combater a evasão fiscal, fortalecer os bancos nacionais de desenvolvimento e potencializar o papel de governos subnacionais.
Esses debates deveriam estar integrados de forma mais consistente às discussões da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima, inclusive no escopo do Mapa do Caminho de Baku a Belém, que apontará maneiras de alavancar 1,3 trilhão de dólares em financiamento climático.
A presidência brasileira da COP30 deu passos importantes ao colocar no centro do debate a necessidade de fortalecer o multilateralismo, orientando-o para a implementação de soluções práticas que melhorem a vida das pessoas, e ao criar um Círculo que aproxima os Ministros das Finanças das negociações climáticas. Além disso, a Agenda de Ação da COP de Belém inclui objetivos voltados a ampliar as estratégias comerciais e de compras públicas, bem como a fortalecer a governança e a capacidade institucional do Estado, reconhecendo todos esses elementos como catalisadores e aceleradores da ação climática, inclusive no campo do financiamento e das tecnologias verdes.
Mas é preciso ir além. Hoje, tendências macroeconômicas, como a fuga de capitais, e disputas comerciais, como a guerra tarifária imposta por Donald Trump, têm implicações profundas sobre a capacidade dos países, sobretudo do Sul Global, de promover o desenvolvimento sustentável.
Por isso, precisamos de um verdadeiro mutirão global. Não apenas a Convenção do Clima e suas COPs, mas também todas as outras instâncias da ONU, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e as instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, devem atuar de forma sinergética para promover transformações estruturantes que garantam que a transição ecológica resulte não só em um planeta mais sustentável, mas também na redução das desigualdades dentro e entre países.
Só com um sistema multilateral revigorado e menos assimétrico será possível consolidar um novo paradigma econômico, capaz de fortalecer o papel do Estado e colocar os cidadãos no centro da transição, em cooperação com o setor privado e demais atores relevantes, e guiado por uma lógica de distribuição mais justa dos benefícios da corrida verde.
Para isso, a COP30, que a presidência brasileira busca transformar na “COP da Virada”, precisa ser o ponto de partida para uma mudança estrutural no centro do multilateralismo e de suas instituições, fazendo com que a cooperação internacional impulsione a capacidade do Sul Global de alcançar o feito inédito de se desenvolver de forma justa, inclusiva e sustentável.
*Maiara Folly é diretora-executiva e cofundadora da Plataforma CIPÓ